por Gilmara Vesolli – sommelière da Casa do Vinho Famiglia Martini
Dezenas de pesquisas mostram que a maioria das decisões de
compra cabem à mulher. Desde onde e o que comprar no supermercado, passando pelo
carro, o lugar onde passar as férias e até a roupa do marido!
Ainda que nós, mulheres, decidamos o que, onde e como
comprar, as empresas permanecem ignorando ou subestimando a
inteligência de quem as sustenta. Marcas de roupas, cosméticos e produtos de
beleza seguem ignorando as variadas formas em que as mulheres se apresentam.
Insistem em associar o feminino à perfeição/padrão de corpo e comportamento, usando
clichês e estereótipos dos tempos da carochinha.
Concessionárias ignoram massivamente as mulheres, e sua
representatividade nas propagandas é invariavelmente como conquista dos homens
ao adquirir um veículo.
Dos muitos exemplos que poderiam ser citados a cerveja tem
ainda o tipo de propaganda que mexe com os brios de qualquer mulher. Embora as
bebidas alcoólicas tenham suas propagandas proibidas na maior parte dos
veículos, a cerveja segue – graças ao seu poderoso lobby – fazendo propagandas
nada originais. Tampouco dignas ou atraentes para o público feminino. O mau
gosto domina a maioria das propagandas, além do machismo descarado.
Como se comporta a propaganda de vinho em relação às mulheres?
Embora tímida e proibida, a propaganda de vinho apela ao
requinte. E foi assim durante tanto tempo que afastou e intimidou um público
que não gosta de requinte, mas gosta de vinho. Poucas propagandas de vinho
focaram especialmente na mulher, mas as que o fizeram foi de forma requintada e não tenho
notícias de propagandas de vinho ofensivas e machistas.
O pecado da propaganda de vinho não está nela
necessariamente, mas no modo como nós, profissionais, falamos sobre vinho às
mulheres.
Basta associar as duas palavras que temos invariavelmente indicações,
falas, discursos e sugestões de vinhos docinhos, facinhos, levezinhos. Usamos
inclusive termos que remetem a um possível gênero do vinho: “pra macho” e “feminino”.
Com meus mais de 10 anos de profissão posso afirmar com toda
a certeza: paladar não tem gênero, mas “idade”.
O que existe é uma “infância”,
quando a maioria de nós, homens ou mulheres, começam a beber vinho. Obviamente
o vinho docinho, facinho e levezinho é a preferência durante esse tempo. Logo
amadurecemos e aprendemos a apreciar outros sabores, mais intensidade, mais
complexidade. Enfim chegamos à idade adulta.
Homens na infância do vinho gostam de vinhos “femininos”
tanto quanto mulheres. Qualquer pessoa que trabalhe com vinho sabe muito bem
disso.
Então porque os profissionais do vinho incorrem no erro de
promover uma distinção de paladar entre homens e mulheres? Porque insistem em
fazer seu público feminino achar que existe essa diferença?
Porque é assim com tudo, o tempo todo. Somos fruto e parte
de uma sociedade dual, dividida entre bem e mal, certo e errado, vida e morte,
masculino e feminino. Somos capitão do mato e escravos de nós mesmos. É
bastante difícil deixar de reproduzir os clichês, mas no caso do vinho e as
mulheres, o próprio vinho tem um belíssimo exemplo a nos dar:
Os vinhos da Borgonha são tidos como “femininos”. Qualquer
pessoa que aprecie os vinhos dessa região sabe que, embora ele pareça muito “mulherzinha”,
é evidente sua extrema complexidade e sofisticação. E uso aqui a palavra “sofisticação”
no seu sentido mais amplo, como sinônimo de “avançado”. Paladares sofisticados
podem apreciar um vinho da Borgonha enquanto outros apenas acham o vinho fraquinho
e sem graça.
Mulheres podem e devem escolher o vinho que quiserem, de
acordo com seu paladar. Os profissionais devem sofisticar suas falas além dos seus
paladares e evitar o dualismo no vinho. Deixemos o sexismo fora das nossas
bocas.
Para você mesma escolher seu vinho:
Finalmente um texto lúcido a respeito. Estou cansada de pensarem que porque sou mulher tenho que beber vinhozinho. Aff!
ResponderExcluirObrigada pelo comentário. Ficamos muito felizes que tenha gostado do texto!
ExcluirDesculpa, esqueci de deixar meu nome: Ana Célia.
ResponderExcluirFaço parte de uma confraria feminina. Me perguntam porque eu só degusto com mulheres. A resposta está aí. Pra não ter que ouvir que mulheres só tomam vinhos fraquinhos.Parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirBetânia.
Obrigada! De fato as vezes é melhor mesmo seguir alguns caminhos alternativos. Mas ainda tenho esperança de que o cenário mude e as pessoas entendam que vinho é para pessoas, não para gêneros.
ExcluirConsumo vinho com frequência e um comentário desse tipo faria eu imediatamente deixar a loja ou restaurante. Não faz o menor sentido escolher ou oferecer um vinho por gênero. Vale muito mais a experiência de quem vai beber, a ocasião, o contexto de harmonização. E lembro que vinho tanto é coisa de mulher que as maiores casas de champagne da França se fizeram nas mãos das viúvas, não dos falecidos. Vinho sem machismo é muito melhor.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário! Só podemos agradecer e concordar plenamente.
ExcluirGilmara moro em Andradas/MG conhecida na região como "Terra do Vinho", durante o mês de julho é realizada a Festa do Vinho em que são oferecidas degustações de vinhos produzidos nas vinícolas da cidade. Então os demonstradores insistem em oferecer vinho suave para as mulheres, o dito vinho feminino, você imagina meu desconforto com isso, que logo faço um carão e peço que me ofereçam outro. Sou consumidora e apreciadora de vinhos e não sou uma especialista, mas há muito já havia percebido que gênero e paladar não tem nada a ver, porque nem eu e nem minhas amigas que costumamos beber muito vinho gostamos dos vinhos "docinhos". Creio que já passou da hora do mercado respeitar uma parcela importante dos seus consumidores, nós mulheres, e perceber que por puro machismo estão deixando de faturar mais, quando reproduzem esse discurso de vinho para mulher e vinho para homem, até porque não existe nem embasamento para isso. Bacana saber que existe uma profissional preocupada com a gente, obrigada pelo texto. Bia
ResponderExcluirSim, passou da hora do mercado se antenar. Estamos fazendo nossa parte. Obrigada pelo comentário!
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