Por Gilmara Vesolli, sommelière da Casa do Vinho Famiglia
Martini
Entre os clássicos da música erudita, uma das minhas músicas
favoritas é o Bolero de Ravel. Adoro a forma como os instrumentos vão surgindo
embora o ritmo permaneça uniforme e repetitivo durante quase todos os muitos
minutos da sua execução.
A música foi composta em 1928 e tinha inicialmente a duração
teórica de 14min e 10 seg. O tambor (caixa branca) inicial acompanha toda a
música e dá a constância. A melodia é a mesma, variando apenas os instrumentos
que a tocam. A sequência é essa:
Flauta, flautin seguido por clarinete, harpa, fagote, oboé,
trompete com flauta, saxofone tenor, sopranino e soprano, trompa, novamente
flautin com celesta, violoncelo, as cordas em pizzicato, oboé novamente com seu parente
oboé d’amore, corne inglês e dois clarinetes, trombone, novamente flautas,
flautins, de novo oboé, corne inglês e saxofone tenor, então violinos numa
entrada triunfal. Depois violinos com sopros, cordas e sopros, uma mistura
incalculável de tudo o que já foi dito e por fim bumbo, pratos e tam tam num
surpreendente e emocionante final.
Sempre que ouço o Bolero lembro dos vinhos de corte. As
semelhanças são impressionantes.
Quantos instrumentos tocados solo poderiam criar uma melodia
tão forte e surpreendente quanto o Bolero de Ravel?
Alguns instrumentos podem fazer coisas incríveis sozinhos.
Piano, saxofone e violino, por exemplo. Mas uma caixa branca e um prato tem
toda a sua beleza expressa em uma composição em que haja outros instrumentos.
Ou muitos outros, como é o caso dessa obra.
Da mesma forma o vinho de uma única uva pode ter sua
grandeza e expressividade. Ou pode ter algumas ou muitas uvas que formam em
conjunto uma sinfonia maior e melhor, mais marcante e duradoura.
Uma uva complementa a outra em um vinho de corte. A acidez
pode vir de um conjunto enquanto os taninos vêm de outro, a cor, o álcool e o
corpo, de outros conjuntos mais.
Um bom vinho de corte é uma orquestra de uvas! E um excelente
vinho de corte causa a mesma impressão final do Bolero de Ravel: surpresa e
prazer.
Veja esse vídeo incrível feito na UFMG em 2005:
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